Notícias

25.10.2013Descobrindo Waltel Branco

(Entrevista publicada no Guia Curitiba Apresenta nº 77, de novembro de 2013. Confira também no site da Corrente Cultural 2013)

Waltel Branco nasceu em Paranaguá em 22 de novembro de 1929, curiosamente, no Dia do Músico. Rodou o mundo por Cuba, Estados Unidos, Europa e Japão, tocou com os melhores e hoje mora em Curitiba, onde pode ser encontrado em estabelecimentos tradicionais, ou mesmo como convidado em um ou outro show no Teatro do Paiol.

Foi escolhido, com toda a justiça, para ser o homenageado da edição da Corrente Cultural 2013! Vai fazer parte do show “Waltel para tod@s" com Ravi Brasileiro e Banda, no dia 9, às 19h, no Palco Carlos Gomes.

É músico completo: maestro, compositor, arranjador, violonista, guitarrista, produtor, professor. Especialista em trilhas para novelas e cinema. Já ensaiou orquestra nos concertos de Igor Stravinski no Brasil. Andrés Segovia, Nat King Cole, Dizzy Gillespie, Bento Mossurunga, Tom Jobim, Roberto Carlos, Tim Maia, Baden Powell, Quincy Jones e Henry Mancini estão na lista de músicos que trabalharam, ensinaram ou aprenderam com ele. Da parceria com Mancini saiu seu trabalho mais conhecido no mundo, há exatos 50 anos: os arranjos do tema de A Pantera Cor-de-Rosa. Trabalhou no álbum Chega de Saudade, de João Gilberto, colocando sua assinatura no nascimento da bossa nova.

Na entrevista exclusiva, desvendamos algumas das histórias desse gênio por meio das suas próprias palavras.

GUIA – Waltel, o que achou dessa homenagem na Corrente Cultural?

Waltel Branco – Olha, eu acho bom, né!? Já tinha sido homenageado pela Universidade Federal do Paraná em 2012 com o título de Doutor Honoris Causa. Foi o primeiro concedido pela universidade a um músico. E o reitor me contou que a decisão para o título foi unânime! Acho tudo isso que está acontecendo importante, porque o reconhecimento em Curitiba do meu trabalho não é bom. Vivi e sou conhecido no mundo inteiro, considerado um dos maiores violonistas eruditos do mundo e, em Curitiba, nem sabem que eu toco violão.

Conta a lenda que você gravou um disco (Meu Balanço), em 1975, em apenas oito horas. É isso mesmo?

Na época eu estava no Rio, ajudando num disco do Roberto Carlos na CBS. Naquela época gravávamos tudo direto, sem playback. Quando acabamos a gravação, o produtor dele disse “olha, tem alguma música para gravar?”. Eu respondi que não, que já tínhamos gravado tudo, no que ele respondeu: “Eu gravo discos clássicos e eruditos aqui na CBS. Você não quer gravar algo?” Então aproveitamos que toda orquestra já estava lá e eu tinha um material popular que queria experimentar. Chamei o copista e gravei o disco todo assim, na hora, direto.

O senhor é responsável direta ou indiretamente por centenas de trilhas sonoras de novelas, programas e séries da Rede Globo. Como começou sua história por lá?

Eu morava em Nova York na época em que conheci o Roberto Marinho, no começo da década de 1960. Tocava com Dizzy Gillespie em uma boate. Numa noite o garçom veio e disse que um senhor queria falar comigo e que era brasileiro. Era o Roberto. Me contou que estava fazendo uma pesquisa sobre equipamentos e que iria abrir uma televisão lá no Rio de Janeiro. E me disse naquela hora mesmo: “você não quer ir trabalhar comigo?”. Eu já estava há alguns anos fora do Brasil e aceitei o desafio. Trabalhei por 20 anos na Rede Globo de Televisão.

O senhor chegou a frequentar o seminário. Como é sua relação com a Igreja?

É bem curiosa. Eu saí de casa, de Paranaguá, com 12 anos, e vim morar com meu tio aqui em Curitiba. Fiz concurso para o seminário franciscano e foi lá que aprendi música. Antes de me formar, abandonei o seminário. Mas sou um dos poucos caras que quase foi ordenado e saiu sem ser excomungado. Comigo acontecem sempre essas coisas. E sempre pensei que era uma coisa normal. Certa vez estava em Roma para fazer um show com o João Gilberto e a Maria Bethânia. Uma produtora – que vivia com búzios na mão – sugeriu que fôssemos tomar a bênção do Papa. E quando chegamos lá, toda a trupe, o Santo Padre falou para a moça: “Você quer a minha bênção? Você é quem está com o Waltel!”  Aí comecei a ver que esse tipo de coisa não acontece com todo mundo.

Como foi trabalhar com o Igor Stravinski?

Fui estudar com o Geraldo Wilson, que era professor de Música para Cinema, no Berklee College of Music, em Boston. E já no primeiro exame ele me disse: “pô, o que você quer aqui? Você sabe mais do que eu!”. Assim, acabei tendo acesso a outras aulas, e numa delas, conheci o Stravinski. O Geraldo foi reger uma música dele e não conseguia ler a partitura. Fiquei impressionado e ele me contou que a notação era diferente de tudo que ele tinha visto. Fui ver a partitura e pensei: “esse cara deve ser matemático ou físico”. Ele escrevia a música matematicamente. Reescrevi a partitura todinha para o Geraldo, traduzindo a matemática para a música. O Stravinski ficou muito impressionado com aquilo e me convidou para dar uma olhada nas outras músicas dele. De aluno passei a professor, passei a dar aula, e todo mundo se interessou pela mistura de erudito e jazz que fazíamos na época. Por causa dessa mistura o Stravinski me apresentou um músico que tinha um escritório de trilhas para filmes. Era o Henry Mancini.

Foi dessa forma que nasceu, talvez, sua mais conhecida contribuição para a música mundial… 

O Mancini me convidou para trabalhar com ele. Foi a primeira vez que me ofereceram dinheiro para trabalhar. Até aquele momento, só me ofereciam trabalho. Fui para San Francisco, em uma fazenda que ele tinha por lá. Fiquei dois meses pensando e lendo o script de uma história infantil. Fiquei o tempo todo brincando com as vacas. Quando voltei para a cidade, fiz o arranjo para a trilha da Pantera Cor-de-Rosa quase que só em um dia.

O Djavan grava até hoje com um violão que o senhor deu para ele. Como foi isso?

Quando o Djavan foi para o Rio de Janeiro, ia morar de favor na casa de um amigo dele. Deu azar que quando ele chegou, esse amigo foi para São Paulo. Nos conhecemos e ele acabou indo morar comigo por uns tempos. Ele estava gravando já e, na época, eu ganhava instrumentos das fábricas. Ele tinha um violão muito ruinzinho e falei para ele escolher um dos meus. Tinha aquele Di Giorgio que ele gostou muito. Acabou fazendo o disco todo com aquele violão.

E sua parceria mais inusitada, qual foi?

Certa vez, nos Estados Unidos, eu estava tocando com o Chick Corea, na década de 1980. Fizemos uma apresentação na Casa Branca. O presidente Reagan gostou tanto da trupe que acabou acompanhando a gente no piano.

E a história de ser concunhado do Quincy Jones?

Ele me chamava de concunhado porque a minha mulher é Lede Saint-Clair mas acontece que a minha Saint-Clair é nascida aqui no Brasil. Me casei com ela no Rio. A dele eu não recordo o nome mas era uma cantora com sobrenome Saint-Clair também. Nós dois sabíamos que não éramos [concunhados] mas até o Luiz Nassif escreveu que éramos e tem isso na internet. Mas ninguém me pediu explicação né?

Aqui no Brasil o senhor fez trilha para filmes? Como era fazer as trilhas na Globo?

No Brasil eu fiz alguns filmes mas na maioria o que eu fazia eram jingles. Quando vim pra cá em 1963 assinei com a Globo e fiquei sendo maestro e escritor. Escrevia sobre músicas. A Globo era recém inaugurada e eu fui primeiro diretor de música, fiz todas as trilhas no começo assim como era na América. Se o Dias Gomes precisava de musica lá do norte eu saía à noite procurando músicos de lá. Assim lancei pela primeira vez o Dorival Caymmi, que já era conhecido mas ninguém sabia que era músico. Depois fiz as trilhas todas das novelas do Jorge Amado, passei a fazer a novela das seis horas… Era só música brasileira, temas nacionais e regionais. Coloquei até uma valsa na novela. Certa vez o Daniel Filho chegou e pediu: ‘Sabe os Beatles? Preciso de uma música daquelas’. Daí eu formava os grupos. Uma vez peguei o Frejat, formei o conjunto e gravei as primeiras músicas. Pusemos o nome de Barão Vermelho e está aí, até hoje. Do Cazuza era eu que fazia tudo. Era um cara muito pra frente. Na Globo era desse jeito. Eu tinha o trabalho de fazer os arranjos. Já músicas minhas foram muito poucas, nas trilhas regionais.

E dos músicos daqui, quais foram os melhores com quem o senhor trabalhou? 

O Gebran [Sabbag] é um dos maiores pianistas que existem no mundo. O Herbie Hancock esteve aqui para fazer um show no Paiol e ele disse que precisava de um pianista. Ele estava ali na escada arrumando os microfones pois era técnico de som. Começaram a conversar e ele sabia tudo do Hancock. Acontece que as pessoas aqui no Brasil não veem [o artista] pelo dom, veem pelo nome. E a idéia ainda é essa: tem de ser de fora. Se for daqui não funciona. O Zé Menezes é outro dos maiores violonistas brasileiros e ninguém sabe.

O senhor acha que o problema da falta de valorização parte principalmente da midia?

Se não tiver mídia não acontece nada. Como me falaram: ‘não é que te escondem, é você que se esconde! Quando vai fazer uma coisa tem que contar’. É o que o Pelé me falava. Ele cantou, gravou um disco comigo. Era o namorado da Xuxa [na época]. E canta bem. Ele dizia: ‘você tem que ser amigo de jornalista!’ Aí a gente ia para uma boate e antes da gente chegar tinha cinegrafistas, os jornais todos. Então, quando fizer um show tem que chamar todo mundo, sair em todos os jornais que puder. O que você fez não interessa se é bom ou ruim. Interessa é que você fez e é isso aí é que faz o seu nome. 

O senhor trabalhou no Rio de Janeiro nos anos no começo dos anos 60 até os anos 80 e era uma fase de ebulição política. Como era nessa época?

Gosto muito de poesia então uma vez fui à casa do Thiago de Mello em Laranjeiras. Lá estava sempre cheio de poetas, inclusive uma turma de comunistas. Fiquei ressabiado, pois se estou com uma turma de comunistas, sou comunista também. Mas eu não me metia em partido. Pra mim tanto fazia. A maioria dos músicos não são políticos né? Mas isso só me deu prejuízo. Veio o Ato [Institucional] Cinco e quem foi o primeiro a ser preso? Eu! Fiquei uma semana cercado. Eu não explicava nada porque tudo que me perguntavam eu não sabia. Eu sabia de musica e não de política! Fiquei  preso junto com um vice-presidente da UNE, por uma semana. Mas meu padrinho era chefe da Policia Militar. Descobriram que eu tava preso e ligaram pra que ele fosse me tirar. Às vezes a gente sabe alguma coisa mas não sabe que essa coisa pode te comprometer. Eu não podia dizer que era amigo do Thiago de Mello. Iam perguntar por que eu ia na casa dele e eu ia responder que ia fazer poesia. Acabou aí, né? Mas eu não sabia que tinham guerrilheiros lá…

Autor: Assessoria de Imprensa

Fonte: Fundação Cultural de Curitiba

Compartilhe:

imprimir voltar