08.05.2025O desafio de criar filhos e arte: a maternidade no caminho mulheres da cena cultural de Curitiba

“Amor demais não atrapalha”. A frase dita por Cazuza à mãe, Lucinha Araújo, presente no livro Cazuza: Só as Mães são Felizes sintetiza a delicada e potente equação de ser mãe, especialmente quando se é artista.

Para Julia Raiz, escritora e tradutora; Rosana Stavis, atriz consagrada do teatro paranaense; Denise Roman, gravurista referência na arte visual; e Janine Mathias, cantora e compositora reconhecida internacionalmente, ser mãe e artista não são papéis revezados, são identidades que se atravessam. Elas revelaram como a maternidade impacta em suas rotinas e inspiram seus processos criativos.

Maternidade além dos bastidores

Mãe da Júlia, hoje com 20 anos, a atriz e cantora Rosana Stavis descobriu, grávida aos 42 anos, que a maternidade transformaria tudo, inclusive sua arte. A atriz continuou nos palcos até o oitavo mês de gestação, acompanhada da banda Danorex 80, que na época fazia sucesso na capital paranaense interpretando músicas consagradas dos anos 1980.

A chegada da filha foi acolhida como um novo ato na trajetória: Júlia cresceu entre ensaios, viagens e camarins. “Ela viajava comigo e ficava na cabine de luz, sempre respeitando muito a minha profissão”, conta Rosana.

A maternidade não parou a arte de Rosana, nem o contrário aconteceu. Uma passou a impulsionar a outra. Para ela, ser mãe de Júlia é também um projeto artístico e social. “Quando vejo o ser humano que ela se tornou, penso que esse já é um legado. Isso me dá força pra continuar criando, por mim, pela minha companhia e por ela”, diz.

 

Mesmo com passagens pelo teatro, e ter o registro profissional de atriz, Júlia escolheu seguir outro caminho, a arquitetura, área que também remete à criatividade. E Rosana reconhece que, apesar da maternidade ser um caminho transformador, não deve ser imposto. “Filho é para sempre. Não é para fazer e deixar os outros criarem. Mas também não é para toda mulher, é para quem deseja, quem quer essa responsabilidade, porque muda tudo, mas também te move”.

Impulso ancestral

Para a cantora e compositora Janine Mathias, ser mãe é um impulso ancestral e um ponto de virada artística. Mãe de Khalil, de 4 anos, a cantora compartilha que a maternidade a fez repensar a forma como se coloca no mundo. “Ela me inspira, me influencia a desejar novos voos. Afinal de contas, eu tenho uma nova geração para alimentar com a minha história de vitória”, destaca Janine.

A arte e a maternidade, na visão dela, são inseparáveis, ainda que, muitas vezes, o mercado tente forçá-las a serem. “Já fui retirada de trabalhos por ser mãe, por não poder ter a disponibilidade para estar naquele show pois o cachê não cobria o valor de pagar uma babá e eu não tinha com quem deixar ele”, conta a artista.

Entre shows, ensaios e turnês, Janine ainda organiza sua agenda para criar espaços de presença real com o filho. Mas a ausência também pesa. Durante uma turnê internacional, a saudade apertou. “Teve um momento que eu pensei, o que eu estou fazendo aqui? Quando voltei, a gente ficou abraçado por uns 20 minutos, sem se desgrudar”.

Hoje, Janine está gravando um disco infantil e já filmou um clipe com o filho. A experiência da maternidade a fez refletir sobre que música e que mundo deseja deixar para Khalil. “Minha identidade agora está sendo compartilhada com outro ser. Às vezes quero fazer um vídeo de divulgação, por exemplo, e ele aparece, e é uma vitória poder dizer que meu filho faz parte dessa construção”.

Sua voz, ela diz, agora carrega um novo sentido. “Ganhou força e um direcionamento ancestral. A maternidade me tornou mais visceral, mais inteira. Janine também deixa um conselho para o Dia das Mães. “Viva a sua arte, porque a maternidade não te limita, ela transforma”.

Entre cirandas, bailarinas e tintas

Os cenários criados por Denise Roman, uma das mais destacadas gravuristas da geração que passou pelos ateliês do Solar do Barão, remetem a fábulas e contos de fadas. Suas obras são ricas em detalhes, povoadas por personagens encantados e, quase sempre, por crianças.

Mãe de quatro filhos adultos (Romã, Mateus, Paulo e Renata), Denise vê na maternidade uma de suas maiores fontes de inspiração. A vivência materna se reflete em cenas como meninas dançando no pátio, um menino que chega de bicicleta, a bailarina que se prepara para entrar no palco ou as rodas de ciranda onde a infância celebra a vida. Os folguedos e brincadeiras infantis aparecem em sua arte com leveza, criatividade e otimismo.

“A maternidade e meus filhos sempre me inspiraram muito, e continuam inspirando, agora também com os netos”, conta a artista. Ela cita as séries As bailarinas e Meus queridos engenheiros como exemplos dessa influência, presente até mesmo nos figurinos dos personagens que desenha.

Entre todas as suas obras, Os 4 filhos de um casal de artistas talvez seja a que mais traduz essa conexão afetiva com a família, uma homenagem direta aos filhos que tanto a inspiraram.

E a via é de mão dupla. Os quatro filhos do casal de artistas também cresceram rodeados de arte. “Quando eram pequenos, frequentavam o Solar do Barão, faziam cursos. Acho natural que tenham desenvolvido essa ligação com o universo artístico”, diz Denise, feliz da marca que a arte e a maternidade deixaram em sua trajetória e na de seus filhos.

Gestação, pandemia e criação

“Quando eu descobri que ia ser mãe, minha primeira vontade foi trabalhar com a voz”, conta a escritora e tradutora Julia Raiz do Nascimento, mãe da pequena Agnes. A gestação, vivida no início da pandemia, não foi planejada, mas trouxe novas urgências criativas.

Julia, mesmo indisposta fisicamente, pensou o que poderia oferecer em troca, mesmo estando em casa no período gestacional. Foi aí que nasceu o Raiz Lendo Coisas, podcast da autora que durou três anos. A proposta era simples: receber histórias e responder com um poema.

A maternidade, então, começou antes mesmo do parto, a influenciar sua prática artística, tanto na forma quanto no conteúdo. Depois do nascimento de Agnes, vieram outras mudanças. “A relação com o tempo mudou totalmente. Comecei a me interessar mais pelo gênero ensaio em fragmentos, porque eu tinha menos tempo, precisava fazer valer cada intervalo”, diz a escritora.

Para Julia, a maternidade é mais do que pessoal. “Já participei de movimentos sociais, de partido político, coordenei políticas públicas de leitura, mas a experiência da gestação foi a mais política de todas”, relata a escritora, que também faz parte do Conselho do Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas.

Dessa escuta também nasceram obras. O livro Bebê tem fascinação por lâmpadas surgiu da vivência com as profissionais de saúde durante o pré-natal. “Foram oito meses de conversas com trabalhadoras do SUS, do programa Mãe Curitibana, onde eu era atendida. Isso atravessou minha escrita completamente”, afirma Julia.

O recado neste Dia das Mães, para Julia Raiz, é um convite coletivo à prática artística, ainda que por breves momentos do dia, mesmo para quem não é artista profissional. “É esse respiro que mantém a gente viva”, ressalta a escritora.

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