29.04.2015Concerto multimidiático na Capela Santa Maria explora a efemeridade do tempo

Baseado na obra de Pascal Quignard, Todas as Manhãs do Mundo leva ao palco música antiga em diálogo com literatura e novas mídias|

Quem gosta da atmosfera erudita da Capela Santa Maria vai se surpreender com Todas as Manhãs do Mundo – Um espetáculo multimídia, nesta quarta e quinta-feira (29 e 30), integrante do projeto Música de Câmara. Isso porque a apresentação, ainda que possa ser catalogada como concerto, coloca em cena, no mesmo palco, música barroca, literatura e mídias digitais, criando uma nova e irresistível interpretação à obra do escritor contemporâneo francês Pascal Quignard, autor do livro homônimo.

Concebido e dirigido por um grupo de músicos e pesquisadores em Literatura, Todas as Manhãs do Mundo traz a ausência como articulador entre as três linguagens artísticas. Para a música, por meio da distância temporal do gênero barroco em relação aos dias de hoje, que por isso evoca um passado perdido; no texto, que tem o esquecimento como tema principal, é um nome que se faz ausente; já na luz, a presença é sempre sem corpo, e percebida como a chegada de algo que já não está mais aqui. “A música que fazemos foi esquecida e tem de ser relembrada e atualizada. Nesse jogo, trazemos outras linguagens que dão um tom contemporâneo a esse espetáculo. Música e luzes colocam o espectador num estado emocional para sentir a história”, explica a professora Silvana Scarinci que é pesquisadora de música antiga e toca teorba no espetáculo.

No concerto, interpretações dialogadas se unem à música antiga, que ainda recebem interferência digital por meio de um software de controle de luz. A teorba junta-se à viola da gamba, interpretada pelo músico americano, radicado em Florianópolis, Hans Twitchell, e do violino barroco de Luiz Henrique Fiaminghi, diretor do grupo Anima.

O ponto de partida é uma homenagem a Pascal Quignard, que, além de ser um dos autores de mais destaque na França atualmente, cumpre um papel importante para a música antiga, sendo o criador do Festival de Ópera e Teatro Barroco de Versalhes, e um dos fundadores do Concert des Nations. É de Quignard a autoria do livro Todas as Manhãs do Mundo, transformado em filme por Alain Corneau, em 1991. Com Gerard Depardieu no papel do protagonista, o longa é considerado a obra que impulsionou uma retomada do movimento da música antiga. Marin Marais é um dos compositores barrocos que foi redescoberto na cena musical a partir do texto de Quignard. É com base nessas composições barrocas e em diálogo com outros textos do autor que o espetáculo é concebido.

Na história de Quignard, a efemeridade do tempo é colocada em foco. O esquecimento da música, que não pode ser reproduzida exatamente como foi por seus precursores, se mistura com a reflexão sobre a eternidade. O repertório musical é constituído por peças de Marin Marais e de seu mestre Sainte Colombe, que viveram e se apresentaram na corte de Luis XIV.

Para levar ao público a experiência do esquecimento, o espetáculo trabalha com a declamação em off de textos de Quignard pontuado por peças barrocas. A interpretação fica por conta de Leda Cartum e Mario Sagayama, pesquisadores de Literatura. O roteiro, elaborado por eles e por Verónica Galíndez, inicia com a declamação do conto que integra o livro Le nom sur le bout de la langue [O nome na ponta da língua].

Nesse conto, para conseguir casar-se com o homem que ama, uma jovem bordadeira precisa fazer um pacto com o diabo. Para firmar o pacto, se compromete a memorizar o nome do diabo, Heidebic de Hel, pois este virá encontrá-la após um ano e, se ela tiver esquecido o nome, terá de abandonar seu marido e se casar com Heidebic de Hel.

No espetáculo, a história é acompanhada pela programação visual criada por Matheus Leston. O sistema de iluminação, controlado por computador, é formado por oito barras de led, posicionadas no fundo do palco. Em sincronia com o texto e a música, as barras geram imagens luminosas que, embora abstratas, criam uma narrativa visual no diálogo entre a palavra e o som. “As luzes criam a densidade teatral que teríamos em um cenário”, pontua Silvana.

Como idealizadora do projeto, Silvana promoveu com a equipe um intenso processo de resgate das obras que compõem o concerto. A tradução do trecho de Le nom sur le bout de la langue é inédita no Brasil e uma das partituras é uma homenagem fúnebre ao professor de Marin Marais, o mestre Sainte Colombe, que estava esquecida em uma biblioteca no interior dos EUA.

Serviço
Todas as Manhãs do Mundo – um espetáculo multimídia
Dias 29 e 30 de abril, às 20 horas
Capela Santa Maria – Rua Conselheiro Laurindo, 273 – Centro
Ingressos: R$20 e R$10

FICHA TÉCNICA
Direção musical: Silvana Scarinci
Músicos: Hans Twitchell (viola da gamba), Luiz Henrique Fiaminghi (violino barroco) e Silvana Scarinci (teorba).
Programação multimídia: Matheus Leston
Atuação: Leda Cartum e Mário Sagayama
Roteiro e tradução: Veronica Galindez, Mário Sagayama e Leda Cartum
Designer: Maria Luísa Risi

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